Fornecedores de TI: “Casa de ferreiro, espeto de pau?”
Há cinco anos, quando trabalhava na IDC, recebi uma demanda insólita e venho notando situações similares em fornecedores de TI do mercado brasileiro.(...)
Autor: Anderson Baldin Figueiredo
Há cerca de cinco anos, quando ainda trabalhava na subsidiária brasileira da IDC – empresa norte-americana de pesquisa e consultoria especialista em inteligência de mercado -, recebi uma demanda que posso qualificar, no mínimo, como insólita e, como venho notando situações similares em alguns fornecedores de TI que atuam no mercado brasileiro, decidi dedicar esse espaço para tratar do tema. Vejam que demanda foi essa.
Um dos diretores de uma conceituada empresa brasileira, muito bem posicionada nos rankings de receitas com a venda de software e prestação de serviços relacionados a BI (Business Intelligence) e CRM (Customer Relationship Management) e com razoável participação no mercado de ERP (Enterprise Resource Planning) nos apresentou a seguinte situação:
- Os seus produtos tão bem aceitos no mercado também estavam implantados em seu ambiente, no entanto eram muito pouco utilizados pelos funcionários. Entre aqueles que faziam uso dos softwares e das aplicações, uma grande parcela limitava-se a repetir os procedimentos mais básicos sem usufruir das funcionalidades e sem saber como extrair as melhores informações dos dados coletados e analisados.
- O corpo diretivo tentou diversos programas de incentivo e treinamento que, apesar de terem ampliado a quantidade de usuários dessas aplicações, ainda não haviam trazido o salto qualitativo esperado. Após algumas pesquisas com usuários das ferramentas, a empresa chegou a uma conclusão estarrecedora: excluindo as áreas técnicas, de marketing e de vendas, os funcionários dos demais departamentos tinham pouco ou nenhum conhecimento teórico – e muito menos estratégico – sobre os produtos da organização, ou seja, BI, CRM ou ERP.
Como solucionar esse problema?
A necessidade tão clara facilitou a nossa escolha por um pequeno projeto com o objetivo de sanar essa deficiência, trazendo um nível de conhecimento mínimo e padronizado para todo o corpo de funcionários. Definimos que o projeto seria composto de duas etapas:
a) Apresentação com as características teóricas de cada um dos produtos; a inter-relação possível entre eles; como e quando deviam ser utilizados e, fundamentalmente qual o papel e a importância da análise dos dados coletados em cada fase do processo (ou seja, da utilização dos produtos) para definir a estratégia da empresa a curto, médio e longo prazo.
b) Palestra para toda a equipe, independente de posição hierárquica e de grau de responsabilidade na corporação, para apresentar o material elaborado e promover toda a discussão necessária. Essa sugestão iria garantir que todos teriam acesso ao mesmo conjunto de informações, apresentada de uma única forma e alinhada às necessidades da empresa.
Os resultados dessas ações foram mais surpreendentes e exitosos do que o corpo diretivo e a IDC Brasil poderiam prever. Ao compreender a inter-relação entre as ferramentas constantes do portfólio da empresa, a audiência se empolgou, apresentou questões em sua maioria pertinentes e acabou gerando uma discussão produtiva e eficiente, que ampliou significativamente a utilização das ferramentas e ao mesmo tempo alçou os dados e as informações a patamares mais qualificados.
Utilizei esse exemplo real para referendar minha preocupação com situações que ainda permanecem dentro de provedores de produtos e soluções de Tecnologia da Informação. Muitas dessas empresas, em geral com um portfólio composto de ofertas reconhecidamente eficientes e eficazes, nem sempre se apresentam como usuários dessas mesmas soluções e ainda convivem com produtos e soluções antiquadas.
Casa de ferreiro, espeto de pau, entre os fornecedores de TI? Por que isso acontece?
A resposta à primeira pergunta é sim. Afinal de contas, que provedor de rotinas de BI ou de CRM não convive com planilhas internas em Excel instaladas nos equipamentos de seus colaboradores? Ou então, qual provedor de servidores ou de ferramentas de backup/restore pode afirmar que sua força de trabalho tem todos os arquivos armazenados no servidor corporativo ou quando necessário executam de forma periódica as ações de backup de seus dados? Poderia continuar com muitos exemplos, tratando de assuntos como o atendimento a rotinas de segurança em ambientes dos provedores de soluções relacionadas a esse tema, ou então, o preenchimento adequado de dados no “nosso” CRM.
Poucas empresas passariam incólumes por uma possível auditoria que tivesse como objetivo garantir que toda a equipe estava utilizando em sua plenitude as ferramentas, os produtos e os serviços comercializados pela própria organização. E aí podemos buscar alguma resposta à segunda pergunta: “Por que isso acontece?”.
Vou voltar ao caso real que abre esse artigo para apresentar pelo menos um dos vieses mais importantes nessa situação, que quando relatada parece não ter a menor lógica. O ser humano independente da área ou do departamento em que atua sempre utilizará produtos que lhe sejam amigáveis, de fácil manuseio e que considere confiáveis. A mudança de seus hábitos e processos é sempre muito forte e amparada em justificativas que parecem imutáveis para os profissionais. Surgem aí as tradicionais questões para justificar a dificuldade em aceitar a mudança: “Por que vou abandonar a minha planilha Excel que sempre funcionou e que tem todas as informações que preciso?”, “Para que preciso salvar tudo no servidor, se posso ter tudo à disposição em meu equipamento?” ou “Para que trocar minha senha a cada três meses, se cumpro todos os demais processo de segurança?”.
Será que esses profissionais têm a visão completa da organização, das necessidades de se atender às políticas e procedimentos definidos? Eles conseguem relacionar a importância de utilizar os produtos adequados com a estratégia da empresa? Essas e outras perguntas, além das dúvidas do time, precisam ser respondidas de forma clara e eficiente para que ao se solicitar o atendimento às normas e políticas vigentes, que incluem a utilização de produtos ou tecnologias da própria empresa, os integrantes desse time avancem nessa direção de maneira definitiva.
Produzir um material realmente eficiente que propicie uma visão clara aos colaboradores das vantagens de se utilizar dos próprios produtos e soluções deve ser o passo inicial. Apresentar e discutir esse material com toda a equipe de forma a unificar o conhecimento e propiciar a realização de discussões produtivas e sugestões que certamente incrementarão o conteúdo desse material parece ser o passo seguinte e que de forma definitiva trará todo o time para uma situação mais confortável e adequada com relação à utilização dos produtos e soluções da empresa.
Por fim, vale ressaltar que esse processo somente sobreviverá e impedirá a retomada da cultura antiga, com a realização de pesquisas, auditorias e revisões periódicas, que possam manter os colaboradores alinhados à política definida pela empresa. Não há outra maneira, que não seja o olhar constante e vigilante e a produção e disseminação de material adequado para evitar a volta aos costumes antigos, até porque nessa época de constante evolução tecnológica, na casa do ferreiro, o espeto deve ser de metal e não de pau, certo?
Até o próximo post!
O uso da tecnologia comercializada dentro da própria empresa é crucial para as empresas de TI e deveria ser colocado como um objetivo principal no planejamento. O que vale para os clientes, não vale para a sua empresa?
Interessante artigo.
nota 10.
Não basta usar a tecnologia comercializada dentro da própria empresa. Ela precisa se diversificar, olhar mais para os clientes…
interessante… legal…
muitoo interessante , adorei.
Muito bom