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Vamos entender o Marco Civil da Internet?

O Marco Civil da Internet promete mudar a forma como ela é usada, tomando providências mais sérias sobre questões, até então, deixadas de lado.

Autor: Adam Junqueira

Logo após aprovado, o Marco Civil da Internet já caiu nas mãos daqueles que são os maiores interessados nele: os internautas. Desde o anúncio da votação, as opiniões vêm se dividindo entre os que apoiam e aqueles que rejeitam o projeto. No entanto, grandes problemas identificados nesse espaço, e em maior escala nessas últimas 24 horas, são a difusão e os ruídos na informação. Portanto, o objetivo desse artigo é simplificar alguns pontos mais confusos desse projeto que vem sendo considerado a Constituição da Internet.

Em setembro do ano passado, abordei como o projeto vinha ganhando forças junto aos parlamentares após as revelações de Edward Snowden a respeito das espionagens por parte das agências de segurança dos Estados Unidos no “território digital” de diversos países do mundo, dentre eles o Brasil. O projeto vinha enfrentando muita resistência, principalmente de setores sensíveis quanto ao tema, como de empresas de telecomunicações e de proteção de direitos autorais, como as empresas de TV e rádio. 

Após os 90 dias previstos para apreciação da Câmara dos Deputados e do Senado, o projeto que era levado sob regime de urgência – o que impedia demais votações e gerou diversos impasses políticos entre o PT, partidos aliados e opositores – foi levado à votação e aprovado a fim de ser “incorporado ao direito positivo pátrio, com finalidade de estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede mundial de computadores no país,” conforme último parágrafo assinado pelos ministros José Eduardo Cardozo, Miriam Belchior, Aloizio Mercadante e Paulo Bernardo

  Os pontos de conflito: Autoria do Projeto, Velocidade da Banda e Censura

Os três maiores pontos de divergência e que vêm causando mais alarde entre os usuários têm uma relação bem estreita entre si.

Primeiramente, o Marco Civil não é um projeto do governo para censurar os usuários. Todo o esboço dele foi elaborado pelo povo a partir de uma ideia, desenvolvida pela parceria entre a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e o Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV/RJ, que visava permitir que um cidadão pudesse participar da criação de um projeto de lei em uma plataforma online que abordasse seus direitos no território virtual. Esse processo durou 6 meses e foi encaminhado ao Congresso Nacional contendo mais de 2 mil contribuições. Ou seja, o Marco Civil da Internet é um projeto criado inicialmente pelo povo que foi apresentado ao governo. 

Quando as acusações de Snowden à NSA vieram à tona, o Poder Executivo solicitou que uma revisão tratasse da inclusão de um parágrafo que indicasse que o governo poderia exigir que provedores de conexão, programas e aplicativos alocassem estruturas de gerenciamento de dados em território nacional a fim de que o sistema judiciário pudesse ter acesso, quando necessário e dentro de condições legais, aos dados de cidadãos e empresas brasileiras em posse de empresas estrangeiras. 

Diante disso, as operadoras de telecomunicações levantaram uma barreira para tentar conseguir controlar e vender serviços baseados em dados, o que permitiria que cobrassem por pacotes de acesso a conteúdo. Por exemplo, um pacote só para acesso de e-mail e sites de busca poderia custar R$29,90, enquanto um pacote com serviços que exigem mais banda, como Youtube e e-commerce, poderiam chegar à R$99,90. 

Esse pedido das operadoras foi negado pelo Marco Civil baseando-se na noção de neutralidade de rede, que reza que dados não podem ser diferenciados por provedores de conexão e que os usuários tem a liberdade de acessar o que quiser quando contratam um serviço de internet.

Quanto à maior polêmica das discussões das redes, censura não está presente na proposta do Marco Civil. A própria neutralidade de rede é a maior prova de que essa lei não visa interferir na forma nem no conteúdo que os usuários consomem e divulgam.

A seção IV do capítulo III, que abrange os artigos de 17 a 18, prevê a atuação do poder judiciário em caso de vazamento de informações e arquivos sigilosos e confidenciais, bem como a seção III do mesmo capítulo, abrangendo os artigos de 14 a 16, trata da responsabilidade do usuário e do provedor e reza que punições só deverão ocorrer após determinação judicial, o que já ocorre hoje em dia sem uma legislação devidamente definida. Todas as ações de bloqueio e retirada de conteúdo deverá ser comunicada ao usuário dono com informações que permitam uma defesa em juízo, o que teoricamente derruba a política de notice and take down, que consiste na retirada de conteúdo imediatamente após notificação. 

Antes de virar uma lei e parte da Constituição, o Marco Civil da Internet ainda deve passar por revisões. Em todo caso, seu projeto já está disponível para consulta e é bastante interessante.

Complementamos agora com a visão de profissionais da área a fim apresentar dados mais técnicos e aprofundados a respeito desse marco histórico, com o ponto de vista dos advogados e especialistas em Direito Digital, Cristina Sleiman e Coriolano Almeida Camargo

  Pontuações sobre o Marco Civil da Internet

Após muita discussão, no dia 25 de março o Marco Civil da Internet (PL 2.126/11) foi aprovado pela Câmara dos Deputados, apesar de muitos sequer acreditarem, vez que a votação fora adiada inúmeras vezes. Mas qual o real cenário do texto final e suas alterações?

Muito se discutiu sobre a necessidade de armazenamento dos dados no Brasil, ou seja, data centers alocados em território nacional. Ainda que fosse uma empresa estrangeira prestadora de serviços no Brasil, teria que obrigatoriamente alocar seus recursos técnicos no território brasileiro. Entretanto, esta questão, mesmo existindo divergências, foi retirada do texto, de forma a ser independente o local de armazenamento.

Pois bem. O texto atual exige o armazenamento de dados por seis meses. Sendo assim, a vítima de qualquer ilícito não poderá “perder” tempo. Ao analisar o projeto de lei,verifica-se em seu art. 10, inciso II, que o provedor responsável pela guarda dos dados de conexão e acessos às aplicações de internet, bem como dados pessoais, só poderá disponibilizá-los mediante ordem judicial. 

Por conseguinte, o art. 11 determina que seja aplicada a lei brasileira sempre que qualquer operação de coleta, armazenamento ou tratamento de registro ocorrer em território nacional. Em seu parágrafo primeiro, menciona-se que será aplicado o disposto no caput do artigo em comento, sempre que os dados forem coletados em território brasileiro. Assim, se o consumidor preencheu seu cadastro no Brasil, não há o que se discutir sobre a legislação aplicável.

Entendemos que o local físico do data center seja indiferente no que diz respeito à obrigação de se atender à lei, tendo em vista a existência de um meio de comunicação imediata. Vejamos um pensamento prático: se a lei brasileira exigir a guarda de determinadas informações por seis meses e sua entrega por ordem judicial, cabe à empresa brasileira ou estrangeira, neste caso, tomar as devidas providências técnicas e de planejamento, a fim de atender os requisitos legais. Ou seja, é de sua obrigação se certificar da legislação aplicável e determinar a melhor estratégia para que a lei seja cumprida.

Em síntese, se uma empresa deseja atuar no Brasil, deverá atender os requisitos legais. Neste sentido, é o papel preventivo do advogado fornecer todas as informações jurídicas e os respectivos riscos, de sorte a evitar demanda no setor contencioso de seu cliente. 

Tudo é uma questão de planejamento técnico e comunicação. Talvez, seja realmente necessário, ainda que não seja por força de lei, mas sim, por uma decisão própria, que a empresa estrangeira armazene os dados em território nacional. Imaginemos dois pontos:

  • A empresa estrangeira se negue a atender ordem judicial alegando que as informações estão em solo internacional e que deve atender a lei de seu país, não sendo possível a entrega dos dados sem um tratado internacional;
  • A lei brasileira exija, como pretende o Marco Civil, que a empresa estrangeira que queira atuar no Brasil tenha que, obrigatoriamente, armazenar determinados dados, devendo entregá-los mediante ordem judicial, quando for o caso.

Ora, no primeiro caso, se assim o for e a empresa realmente quiser atuar no Brasil, caberá a ela se estabelecer também fisicamente em território nacional, a fim de que preste seus serviços e cumpra a determinação do ordenamento jurídico brasileiro. Cristalino está que caberá unicamente à empresa decidir qual estratégia lhe será mais benéfica visando atender às leis brasileiras, vez que pode fazer um tramite de comunicação interna (representando no Brasil recebe as notificações/ordens judiciais e encaminha à sede localizada em outro país), desde que tome as precauções de segurança, ou pode promover seu armazenamento já em território nacional (alocar data centers no Brasil). 

Atualmente, quando ocorre um ato ilícito, o juízo determina a identificação dos IPs e respectivos usuários, como intuito de se determinar autoria. Quando temos o envolvimento de empresas estrangeiras, estas, por intermédio de seus escritórios em território nacional, promovem a entrega das informações solicitadas. 

Não podemos deixar que se encontrem brechas e que tentem mudar este cenário que já funciona. A formalização da lei deve ser a favor da segurança e proteção do indivíduo enquanto ser humano. O documento traz pontos positivos e negativos.

No que tange à neutralidade da internet, podemos observar a tutela pela igualdade de acesso em relação ao conteúdo, mas não a planos de velocidade propriamente dito. Sendo assim, não poderão ser vendidas assinaturas por velocidades diferentes em razão do conteúdo.

No âmbito da responsabilização dos provedores, estes poderão responder juridicamente pelo descumprimento de ordem judicial e, apenas nos casos de fotos íntimas, é que o provedor deverá promover a exclusão do conteúdo, mediante notificação extrajudicial.

Tratando-se do prazo de seis meses de obrigatoriedade na guarda dos dados pelos provedores de aplicativos, cumpre salientar que este período é muito curto, o qual poderia ser, pelo menos, de um ano, como determinado aos provedores de acesso.

Aplicativos como Snapchat terão que, obrigatoriamente, rever suas formas de uso em território brasileiro, fator este que pode contribuir positivamente à sociedade, haja vista que estes têm sido utilizados, por diversas vezes, para propagação de conteúdos indevidos, como fotos íntimas, inclusive, entre menores de 18 anos.

Por fim, o que ninguém comenta, mas trata-se de um ponto crucial do texto, é sobre o dever do Estado na prestação da educação, devendo incluir a capacitação para o uso seguro, consciente e responsável da internet, pois esta será a única forma de formar e realmente instruir o cidadão sobre a cultura de ética e cidadania digital.

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Cristina Sleiman é sócia do escritório Cristina Sleiman Sociedade de Advogados e especialista em Direito Digital e Propriedade Intelectual.
Coriolano Almeida Camargo é advogado e sócio do escritório Almeida Camargo Advogados.
 
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3 Comentários

  1. Pedro Santos de Souza disse:

    O privado sempre querendo manipular/fuder com o público. Ao menos dessa vez, parece que vai dar certo. Estou dizendo isso mesmo? dando certo? No Brasil? Vou aguardar…
    ótimo post Adam 🙂

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